Capítulo 2
O Cãopirôto
Dois dias...apenas
dois dias e já éramos os primeiros à porta do céu caso Jesus voltasse naquele
momento, de tanta que era a nossa santidade, ou pelo menos a que queríamos que
ela pensasse que tínhamos, mas...ele...ele não estava lá.
Eis que chega o carro do pai dela...não lembro bem
que carro era, mas sei que era verde, um verde que contrastava com qualquer uma
de nossas roupas, Mário Alberto usava uma blusa cáqui e uma calça de brim
tingida de preto para parecer nova, lembro bem que ele a usara na festa de ano
novo dois anos antes, eu de listras em vermelho e amarelo, Manel Hilário de
camisa branca de uma marca conhecida...Hering...Carlos Magno de roupa social
que findava num colete igual esses que os escritores usam...almofadinha!! Paolo
era o mais novo de nós e estava de conjuntinho infanto juvenil e Rubinho de
calça USTOP e camisa xadrez...e o carro? ...verde ora...tão somente verde...mas
ele...bom...ele não estava lá...
Ela desceu do carro e o sol pareceu diminuir seu
brilho...há bem poucos minutos atrás teimava em nos derreter com seus raios
ardentes e ...acho que ficou tímido diante daquela formosura de menina...ainda
não chegara ao Debut, mas nem o
imponente astro rei encorajou-se a encarar-lhe o brilho...que divina...vestido
longo, sereno, de cores tradicionais, um sapato de salto alto baixinho, desta
feita usava no cabelo uma travessa de florzinhas...se dirigia a nós em passos
suaves...sorriso nos lábios...duvido que algum de nós não tenha pensado em
casamento naquele momento apesar das poucas idades, entre 13 e 14 anos...mas
agindo como homens...mas ele não estava lá...não, não estava lá... ...
...não o quê?????
De repente ouvimos um “-CÓÓÓÓÓRRRRREEEEE!!!!”
PUTAQUIUPARIU era ele...Epifânio Augusto descia a
ladeira ao lado da igreja desembestado, vindo lá de cima, dum quintal onde
havia uma mangueira frondosa, com um enooorme vespeiro no tronco, bem lá no
alto...tinha derrubado a casa das vespas...o preto safado descia numa
velocidade supersônica, aos berros e se batendo...passou por nós como uma bala
preta...não...branca...não......preta albina...kkkkk...não tivemos nem ação de
correr...o enxame chegou...não, enxame não...aquilo não era um enxame era um
tsuxame.....a paquera acabou, o brilho acabou, o vestido acabou, o verde do
carro acabou...só restaram os gritos de ai, ai, ai, ...olhei pra trás no
momento da fuga e deu tempo de ver a menina gritando pelo pai e tentando se
livrar daquela nuvem de marimbondos...tadinha...soube mais tarde que os lábios
outrora carnudos sem exageros, ficaram exageradamente inchados...hihihihi!!
Dias depois nos contou Epifânio, derrubara o ninho
para pegar mel...caralho Epifânio essas aí são as abelhas burraldo!!!!...são as
abelhas que fabricam o mel...as vespas são como mulher casada enxerida...só
fabricam dor e sofrimento, seu mentecapto...
Ele era assim...endiabrado...não passava um dia
inteiro sem aprontar alguma traquinagem...sem fazer uma pretice...
Soube há um tempo atrás que Valentina casou com um
irmão da igreja...que bom...melhor assim...acho esse povo de igreja meio
paradão, sabe? Sem muita diversão...se qualquer um de nós tivesse ficado com
ela, esse perderia a amizade do lôro Epifânio porque ele não iria à
igreja...com ele nem Deus quis se meter...imagino Deus olhando pra ele e
pensando...“Como pode alguém ter nascido pior que Lúcifer?”
E a igreja? Bom... a igreja...passou a vontade de
sermos salvos...na verdade a salvação para nós naquele momento estava na figura
de Valentina...ela iria nos redimir dos nossos muitos pecados e iria nos levar
pessoalmente até as portas do paraíso...a beiçuda, agora era assim que a
chamávamos hahaha...deixou de ser o alvo de nossas “imaginações”...o lôro
conseguiu essa proeza...naquele dia ele foi mais importante do que ela nas
nossas vidas...ele nos livrou da tentação da mulher bonita na vida de um
garoto...garotos são como brinquedos nas mãos delas...as...mulheres...
De certa forma o cãopirôto fez mais uma coisa boa
por nós...pelo menos comigo se deu assim...sempre que me trancava no banheiro
para aquelas horas de meditação, reflexão e muita oração, cê entende, né?
Quando Valentina começava a rondar meus pensamentos, me vinha à mente a
tragicômica cena do neguinho de cabelo pintado de lôro descendo a ladeira,
correndo, se batendo, com um exército alado em seu encalço...HAHAHA não tem
pintinho duro que resista...e me espoco de tanto rir e saio logo do banheiro...
Epifânio não tirou água da rocha, não abriu o mar
vermelho, não andou por sobre o mar, mas... tentou...ah sim...tentou beber do
mel das vespas...
O que eu sei é...se Jesus voltasse agora para pegar
os seus...nós sete estaríamos novamente no fim da fila...se é que estaríamos na
fila.
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