sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Epifânio Augusto em: Seminário de Biologia

Capítulo X
Seminário de Biologia


Período de provas no colégio, eita pau!

Na sala a gurizada ficava alvoroçada em época de provas, em especial aqueles que nada estudavam, logo, nada sabiam. Nossa turma era muito conhecida por suas características, principalmente as estudantis...vejamos...éramos os que mais faltavam, e eram faltas coletivas, as reclamações na diretoria eram constantes, a menor nota do ano entre nós em matemática foi a de Efpifânio (5,0)...ufa passou! Em Biologia foi a do...Epifânio (5,0) credo! de novo? E também em História, Geografia, Inglês, tudo 5,0, parecia seguir certo padrão, mas quando se tratava de Educação Artística e Religião, o cara era fera (5,5) em ambas kkkk tinha jeito não, ele só passava arrastado, quando não ficava de recuperação, e só com muita luta e muito estudo na recuperação, passava arrastado. Mas tinha uma matéria que o moleque se amarrava, Língua Portuguesa, a professora era braba, marcava quem não gostava, ele era marcado por todos os professores, mas acho que tinham pena dele no fim do ano porque ele nunca reprovou nenhuma série. É verdade que teve ano que foi preciso orar muito, pois fora parar no Conselho de Classe, a Santa Inquisição Estudantil.

Tínhamos um professor de biologia que gostava de tomar umas pingas e não foram poucas as vezes em que chegou embriagado em sala de aula, se chamava Antonieldson de La Concepción, com esse nome devia ter um pé na Espanha, e gostava de nos colocar apelidos com nomes que estudava nos assuntos que iria nos ensinar, na sala já tinha o epitélio olfativo, o desoxirribonucleico, o esporófito, a protozoária, o gametófito e a hemoglobina, cada apelido estranho, acho que ele pensava que a gente sabia o que significavam esses troços. Certa vez nos passou um trabalho que serviria como nota da prova do bimestre, era de pesquisa e teríamos que defender o assunto no dia da entrega. Na capa deveria constar o nome da escola, do professor, da matéria, da equipe e dos alunos. No dia que foram divididas as equipes, não estávamos em sala pra variar, mas estávamos no colégio...na diretoria...os sete....alguém tinha colocado sabão em pó na geladeira que ficava emborcada sobre uma espécie de suporte e com duas torneiras adaptadas que servia de bebedouro para toda a comunidade escolar, inclusive aos professores, e como ninguém sabia quem tinha sido o autor da façanha, diga-se muito bem elaborada, pelo histórico, nos pegaram por bode expiatório...bodes....sete...estávamos acostumados...era esculhambação, bilhete para os pais assinarem, Epifânio já sabia assinar por todos eles, ou suspensão de uma semana, como se isso fosse um castigo pra nós, passávamos a semana quase toda fora da escola mesmo, mas, tirando as do loro, as notas eram boas.

Naquele dia teve mais alguém que não estava em sala, era Celestino Neto, o mais estudioso da turma, só tirava 10...mesmo se perdesse prova por estar doente, ainda assim tirava 10...incrível, até sem fazer prova era 10...só podia ser por telepatia, telecinesia ou...sei lá....televisão! O fato é que no dia seguinte ele soube que estava na mesma equipe que nós, quase enfarta o guri, já sabia que teria que fazer o trabalho sozinho, mas, de forma honrosa e digna, Epifânio Augusto disse que se ele não deixasse a gente ajudar no trabalho seria tirado da equipe, ora...como se isso fosse castigo pro menino, kkkkk, e que ficaria sem nota...o garoto pensou...pensou...olhou pra nós e disparou...”-Ok, vocês vão fazer a capa” ...Obaaaa!!!! foi uma festa...Epifânio disse que seria com ele, e que não precisaríamos nos preocupar com nada...então tá...já que é assim...

No dia da apresentação, quando cheguei ao colégio, o circo já estava armado, a coordenação pedagógica estava lotada, a escola toda já sabia o que estava acontecendo, menos eu. A “capa”, o problema estava justamente naquilo que ficamos de fazer, a capa, o nome da escola estava certinho, o nome do professor estava certinho, mas o nome da equipe...ah cacete! aquele menino era uma peste mesmo...TENSÃO PRÉ MENSTRUAL, isso lá é nome de equipe de trabalho de 8ª série, ainda mais de equipe formada só por homens? TENSÃO PRÉ MENSTRUAL, que diabos é TENSÃO PRÉ MENSTRUAL Epifânio Augusto? De onde tu tiraste esse nome cão? Pensei.

O Neguinho estava sentado no canto da sala, com uma cara de “ACHO QUE ISSO VAI FEDER A COCÔ PRETO!”

O professor, a diretora, a coordenadora, e uma cambada de gente estavam reunidos na sala da diretora decidindo o que iriam fazer conosco, o pobre do Celestino Neto estava sentado, chorando, com vergonha, o que iria falar para os pais? Ficava se perguntando com a mão na cabeça: “-o que foi que eu fiiiiiz pra merecer essa equipe? Porque tinha que faltar justamente naquele dia?

A porta da diretoria foi aberta, saíram todos...caras fechadas, de quem vai botar o bichão pra fora e dar aquela mijada...o professor falou:

“-Eu custo a acreditar Celestino Neto que você tenha participado de uma falta de respeito desse tamanho (dedão em riste, balançando ao ar, chega o couro da face tremia)!”

O menino engoliu em seco, tentou argumentar que não sabia de nada e que deixara o trabalho em cima da carteira por um minuto enquanto foi ao banheiro, e quando voltou Epifânio já tinha chegado e colocado a maldita capa no trabalho e entregue ao senhor professor. Sem sucesso...mas....pelo histórico daquele menino, uma espécie de Cristo, teríamos outra chance...as outras equipes apresentariam seus trabalhos naquele mesmo dia e a nossa no dia seguinte com a condição de que todos poderiam fazer perguntas pra nós...PRONTO! FERROU! AGORA ME DEU MEDO! VOU TIRAR NOTA VERMELHA! disse Celestino se lamentando pela má sorte.

Se tratando de Epifânio Augusto, nunca nada está perdido.

Epifânio tinha um plano, depois das apresentações daquela manhã, acertou com alguns coleguinhas que eles fariam perguntas no outro dia e que só poderiam fazer perguntas bem fáceis, até escolheu as perguntas, e se fizessem difíceis se arrependeriam, era tipo assim...um acordo...não....tipo...um sinal....não, não...tipo...assim....uma ameaça mesmo.

No outro dia lá estava eu chegando e... adivinhem!!!! O circo já estava armado novamente, mas agora era no corredor mesmo...já cheguei ouvindo Dona Gracinda de Fátima das Sete Chagas de Cristo, o Cristo do pai daquela mulher tinha mais chagas que o meu, pois o dele tinha sete chagas...credo! Ela era a coordenadora (ô mulher do nome estranho), aos berros com Epifânio:

“-Menino endemoniado que é isso de novo??????? TPM? TPM? Que merda é essa Epifânio? Tu sabes o que significa TPM Epifânio?” Falava irritada a distinta senhora tendo como testemunha o professor Antonieldson.

O guri cínico, sarcástico que só ele, com a segurança que lhe era peculiar não titubeou:

Dona Gracinda caaaalma, por favor fique caaaalma! As letrinhas significam TAMU PERDIDO MERMU, só isso, é que ontem quando o professor disse que os meninos poderiam fazer perguntas pra nós foi só o que veio na minha cabeça “TAMU PERDIDO MERMU” e como eu não poderia escrever isso eu abreviei oras.

A velha olhou com um olhar de fulminar menino mentiroso, mas deixou passar....morrendo de ódio, mas deixou.

Na hora da apresentação, Celestino Neto deu aquele show de biologia, não precisava nenhuma pergunta o guri explicava tudo nos mínimos detalhes, mas as perguntas faziam parte da condição imposta pelo mestre, então, Epifânio deu um leve sinal aos guris predeterminados para perguntar...tinha colocado um no fundão, um no canto esquerdo perto da porta e o outro no direito, próximo à mesa do professor, tudo armado. As perguntas eram tão bobas e Celestino tirava de letra, Epifânio era só satisfação, mas não sorria, olhava para cada um da turma numa postura ameaçadora...tipo...SE ALGUÉM PERGUNTAR COISA DIFÍCIL VAI SE VER COMIGO...não adiantou...ele esqueceu que em toda turma tem aquela menina chata que ninguém gosta, que é enxerida, que é intrometida, que é fofoqueira, que nunca namorou nem vai namorar, e na nossa não era diferente...tinha a Mundoquinha...pense num nojo....veio com uma pergunta retirada direto do livro do capeta....só podia ter sido enviada pelo cramunhão mesmo...

Epifânio já tinha mandado Celestino sentar, e já estava entregando o material pro professor quando aquela filhote de tamanduá bandeira com galinha dangola abriu a boca separando as sílabas da fala como se fosse débil mental:

“-Pro-Fes-sor, que-ro fa-zer u-ma úl-ti-ma per-gun-ta, pos-so?”

Epifânio que estava de costas pra sala e de frente pro professor, entregando o material em folha de papel almaço olhou por sobre o ombro direito, com o olhar mais destruidor que o do ciclope do x-man.

O professor consentiu.

O assunto era Botânica e a pergunta foi:

Quero saber o que significa “fotoperiodismo?”.

O professor fez uma cara de quem havia gostado da pergunta e deu pra ver um leve sorriso de vingança naquela boca cheia de dentes.

Um silêncio ensurdecedor pairou naquele lugar.

Celestino se encolheu na carteira numa atitude de “-sei lá que cacete é esse” ...os outros estavam com um olhar tão perdido que nem em “lost” se via igual...

Professor Antonieldson num momento de pressão ordenou que a equipe respondesse logo, sob pena de tirar nota inferior à média.

Epifânio respirou fundo, olhou a garota nos olhos como que dizendo: “-Te pego lá fora e vou puxar teu cabelo até arrancar o couro cabeludo.” E abriu a boca:

“-Fotoperiodismo: É a alternância entre períodos de claridade e de escuridão que afeta a atividade fisiológica de muitas plantas, que reagem a um fotoperíodo crítico, acima ou abaixo do qual ocorre determinada resposta fisiológica. Plantas de dia longo só florescem quando submetidas a fotoperíodos em que o período de escuridão, ou seja, a noite, é igual ou menor que um valor crítico. Plantas de dia curto só florescem quando submetidas a fotoperíodos em que o período de escuridão, a noite, é igual ou maior que um valor crítico. Plantas indiferentes florescem independentemente do fotoperíodo.

Olhei até para os pés do loro arretado pra ver se tinha legenda.

O professor Antonieldson abaixou a cabeça numa clara alusão à derrota sofrida, pois pensava que sairia vingado dessa história.

Epifânio foi aplaudido de pé como um superstar.

Tiramos nota máxima, com louvor, a escola toda ficou sabendo da história e...novamente...pasmem...

O "energúmeno" do Epifânio tinha ido à casa de Mundoquinha na tarde do dia anterior combinar aquela asustadora cena...não acredito mano, ainda vai nos matar do coração esse preto.


Por Ricardo Serrão





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