segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Epifânio Augusto em: Inglês na ponta da língua.


Capítulo 3

 Inglês na ponta da língua

Todos tínhamos na base de 14 anos, no ginásio, tipo 8ª série, usávamos umas camisas padronizadas do governo assim, calça social azul marinho e blusa de botão na frente...coisa horrorosa...mas era obrigatório. Sem falar no bolso rsrsrs tinha até o brasão do governo, a maioria tinha escrito CENTRO EDUCACIONAL FULANO DE TAL. Bom, éramos garotos e em toda história de garoto sempre tem??Hã??? O quê???Vamulá, vamulá...diz diz....hã? hã? ...”Mentiras de garoto”...um querendo ser mais que o outro, todos os dias um tinha uma aventura pra contar, e era cada uma que parecia duas, três, quatro...o certo é que não tinha um dia abençoado do Senhor que um de nós não tivesse alguma ESTÓRIA pra contar...              ...e aí vai mais uma do neguinho...

Epifânio Augusto......seu criado...

Inédita...incrível...inimaginável...ininverdadeira...(caralho que palavra feia!...espero que pelo menos exista no dicionário?)

IlenaKanto era seu nome. Quando viera transferida de uma escola do município vizinho ao nosso, não imaginávamos que mudaria completamente a vida de alguns de nós. A dele principalmente. Olhem bem...mas olhem com os olhos de pureza, porque nada aquém disso poderá vislumbrar tamanha delicadeza e suavidade em tudo o que fazia...vejam...com os olhos do coração. Japonesinha...putaquiupariu!!!...parou parou...pronto, não precisa dizer mais nada...os únicos japoneses que tínhamos vistos até então, eram seu Nakamura e dona Tomiko, um casal de agricultores de pimenta do reino que tinham lá seus...hum...deixa eu pensar...hum...seus 114 anos cada, porque japonês vive até acabar, é que nem lápis de dono de venda que anota fiado no caderninho...era só olhar pra orelha dos desgraçados que lá estava o toquinho de lápis, mas usavam até acabar...que nem vida de japonês...e ela chegou com aquela pele clarinha, bem cuidada, feito veludo, mas mais suave...olhos em risco...mas não um risco de arriscado, um risco de riscado...tipo só dois risquinhos assim de tão fechadinhos que eram. Quando falava, logo ligávamos sua voz ao seu nome, pois era como um CANTO celestial...uma doçura de voz que nos embriagava, nos entorpecia...nos...nos desnudava...não, isso não, isso quem fazia éramos nós mesmos...em casa...naquele momento de fórum íntimo reflexivo oratório, auto imune aos berros de quem precisava usar a latrina kkkkk tudo isso pra dizer...no banheiro, sozinho...pensando nela....todos a pegamos...eu a engravidei umas dezessete vezes.

Tinha 21 aninhos, era professora de Inglês, havia morado nos estates, o outro professor havia falecido há poucos meses e ela viera em substituição...morte providencial...que Deus o tenha. Quando entrava na sala e dizia GUDIMORNIN CLECE, em uníssono respondíamos, ou balbuciávamos algo tipo...vahvahvohvihtchitcha.... hahahahaha que doideira...era muito doida essa hora...ninguém entendia nada e ao mesmo entendia tudo...ela falava com o corpo...as meninas da sala olhavam para a professora com ódio mortal e nós não olhávamos pra ela, olhávamos por ela, através dela, da roupa dela...ela nem usava roupa na nossa cabeça...era assim...tipo...um ser despido de si mesmo...no real sentido da palavra...não dá pra explicar, era surreal...era uma mulher nua na frente da lousa, vestida só com um giz na mão. Um dia ela disse que precisava de um voluntário pra servir de monitor na turma dos pequenos em que lecionava ...pense na gritaria todos de pé e de mão levantada...EU EU...EU EUEUEU ...NÃO...EU...alguém perguntou “pra fazer o quê fessôra?” ela respondeu “-pra dar aula de inglês para iniciantes”...

Creeec...plaaac...todos sentaram ao mesmo tempo arrastando as carteiras....todos? ...eu disse todos? Não...nem todos...heroicamente destemido o pretinho se manteve de pé...de braço erguido...mal sabia falar seu nome, ler que é bom nada, só soletrava, passava de ano sempre na recuperação e não poucas foram as vezes em que foi pro conselho de classe...uma espécie de tribunal escolar que julgava quem merecia ser salvo e ir pro paraíso da aprovação, ou queimar no inferno estudantil da repetição de ano, mas ele fora o único que se manteve de pé voluntariamente. Acho que nem mesmo sabia o que estava acontecendo, talvez em sua mente estivesse pensando numa praia com a professora Ilena...brincando de manja pega... nus...com ela olhando pra ele e fazendo uma cara de mulher apaixonada...ah nego tuíra beiçudo danado!

Na manhã seguinte ela não teria tempo conosco, mas teria na classe dos menores e adivinha...Epifânio de camisa social, de manga comprida, amarelo canela enfiada numa calça de bolsos enviesados, desfilava na escola, metido, se achando o próprio sobrinho americanizado do Tio Sam...bateu a campa...todos foram para as salas...teríamos naquele horário, aula com o professor Roberto de história...ele fez a chamada...e...mal começamos a ouvir sobre os senhores feudais e aquele vulto amarelo atravessou o pátio central da escola rápido como um raio, mais parecia um Camaro Amarelo de tão rápido que passara...não...naqueles dias não havia Camaro Amarelo...estava mais para uma Brasília Amarela...veloz...tão veloz quanto...uma...Brasília Amarela...Epifânio Augusto passou zimpado no rumo de casa...todos se olharam e...rindo baixinho sabíamos...deu merda! Hihihi

Alguns dias depois ele voltou pra escola...meio sem graça...mas voltou...e não podíamos deixar de perguntar...

Mano...o que aconteceu? E ele nos contou...

Naquela manhã a professora Ilena me apresentou pra turminha de uma maneira que me senti o mestre dos mestres, o professor dos professores...Paulo Freire era débil na minha frente...ela me disse que eu ensinaria alguma coisa nova pra eles...não precisava ser nada muito avançado, só alguma palavra nova... que eles não conhecessem...porra...pensei em LOVE.... caralho mano eu sei o que é LOVE...é AMOR...eu não ia errar essa...era a palavra perfeita...AMOR...falava tudo sobre aquele momento...sobre o que eu estava sentindo...caramba mano o amor estava no ar...eu ia aproveitar e falar pra professora sobre o LOVE no meu coração e...já tinha até imaginado a cena em casa...ela me olhando ...eu olhando pra ela e dizendo...LOVE...LOVE me balançando assim...com aquele gingado que só negão tem sacô...e tava eu ali...porra...viajando na minha mente e...sabe como é né? (ele ele fazia uns gestos assim com as mãos e braços e pernas e boca e todo o corpo, parecia drogado) e disse que quando estava nesse transe...quase transa.... com a japonesinha...o gordinho neto da dona Luzinete, merendeira da escola, perguntou de supetão:”-fessô...o que significa TENKIÚ ? ...#$%¨&*#@...cara eu cai do cavalo!!! Foi como um coice...uma chicotada nas costas...aquele gordo filho, neto e bisneto de quenga não podia ter feito isso comigo...não na frente da professora Ilena...cheguei a desejar que ele morresse comido por um jacaré, sendo dilacerado pelo giro da morte do réptil, ou mordido de cobra venenosa, que morresse entalado com um pedaço de jabá, e fosse ficando todo roxo e ninguém conseguisse tirar o bendito pedaço de charque da goela desse maldito...que quando chegasse em casa a casa estivesse pegando fogo com toda a família dele dentro...ah gordo maldito...que porra é essa de TENKIÚ???? Tenkiú é o teu kiú...seu filho do capeta....gelei...não sabia o que responder...fiquei branco...as mãos suaram...as pernas tremeram....olhei pra professora e os olhos dela agora pareciam duas bolas de sinuca de tão arregalados...esperando a resposta...acho que ela pensou que eu soubesse que cacete era aquele...e eu ali...perdido...sozinho...tinha que pensar rápido numa saída e...

“-AI FESSÔRA AGORA QUE EU ME LEMBREI QUE MINHA MÃE PEDIU PRA TIRAR A ROUPA DO VARAL QUE VAI CHOVER”...e saí correndo feito uma bala daquele pedaço de inferno que aquele gordinho criou...parei de correr lá em casa já mentindo pra mãe dizendo...morreu um tio, do pai de um colega da diretora mãe e não vai ter aula hoje...minha mãe só disse...“sei”.

Eita Epifânio...é um artista...

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