quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Epifânio Augusto em: Bullying


Capítulo XIII

Bullying

Já era o oitavo dia em coma e meu amigo não dava sinais de melhora, nem mesmo os médicos sabiam o que estava acontecendo com ele, pois o quadro clínico não era próprio do coma, a hemorragia cessara, a febre cessara, a medicação fora aos poucos  sendo suspensa, mas o garoto não voltava, pelo contrário, parecia estar cada vez mais...morto...Nos poucos momentos em que nos deixaram vê-lo pelo vidro da porta, tive a impressão que seus olhos estavam agitados por trás das pálpebras como que ...novamente....em luta com um oponente feroz e de extrema força...quiçá um...   ..tipo...   .....gigante, mas nada dele acordar...
As pessoas acamparam em frente ao hospital, todos torciam por Epifânio, uns crentes oravam, umas senhoras carolas rezavam o terço, tinha até um pai de santo com uma turma no batuque...  ...hum...sei não....   ....tá estranho tudo isso. Comecei a ver pessoas que nem conhecíamos, que souberam da luta do garoto pela vida e da turma dele que não arredava o pé de perto do amigo. Banhávamos nos banheiros das casas daquele bairro, as pessoas abriram suas portas pra nós...mesmo “morto” Epifânio fazia com que nós nos tornássemos o centro das atenções.
Até o pequeno Pedrinho e o Natan, protagonistas de uma das muitas aventuras de nossa turma, estavam lá.
Um dia estávamos sentados no coreto da praça espiando o movimento na escola pertinho...Pedrinho, que era bem mirradinho, bem magrinho, quase esquelético chegou chorando e foi direto falar com Epifânio:
‘-Não agüento mais Epifânio, você precisa me ajudar...o Natan da outra sala não para de mexer comigo, ele é muito maior que eu e fica tirando sarro da minha cara, bate na minha cabeça, toma meu lanche, e nem quero falar nada pro meu pai porque ele vai querer tirar satisfação com o pai dele que é outro maceta e vai acabar tendo briga...e meu pai vai apanhar. Outro dia o pai dele veio buscá-lo de moto e ele bateu na minha cabeça e disse: Esse é o moleque que te falei pai, ele que paga meu lanche! O pai só riu, mas sabia que ele me tomava o lanche ou o dinheiro”.
Ficamos irados, sabíamos quem era o garoto e realmente ele era bem grande na frente do Pedrinho, mas o pai saber que o filho é encrenqueiro, que rouba o dinheiro dos mais fracos na escola e não fazer nada...ah!!! mexeu com Epifânio...sim...mexeu...Ele abraçou o guri que soluçava e disse:
‘-Pedro...chore, mas chore muito, e não esqueça dessa dor e dessa raiva que está sentindo hoje, não esqueça esse sofrimento que alguém maior que você está lhe causando, porque se esquecer, amanhã poderá ser você a causar mal a outro menor que você, ou mais pobre, ou mais feio, ou até menos homem, e se assim acontecer, você será o menino mal que hoje te machuca. Vamos resolver isso...juntos...tá bom?”
O garoto anuiu com a cabeça afirmativamente, agora mais aliviado.
Dois dias depois, a notícia na escola era que uns garotos do bairro mais distante da cidade estavam querendo saber quem era Natan da escola onde Pedrinho estudava, que souberam que ele andou falando mal das garotas da turma deles e que iriam quebrar o garoto na porrada, e que viriam na sexta feira à escola.
Pronto!!! A escola ficou em polvorosa, os pais foram pra cima da direção cobrando segurança, a direção chamou os pais do menino pra saber o que realmente estava acontecendo e em último caso, se necessário, iriam chamar a polícia. O pai do menino já chegou chegando, dando berros no filho, querendo saber o que ele tinha feito de errado, o guri só chorava e dizia que nada, que não tinha feito nada nem dito nada, e nem conhecia esses caras...Ficamos preocupados também, mas Epifânio disse que não iríamos nos meter...ele que se virasse sozinho.
Sexta feira chegou...a escola estava cheia de pais na frente, na hora da saída, a diretora estava do lado de fora, com alguns professores também, e o pai do Natan estava todo estufado por ali...gritava: -Quero saber quem vai se meter com meu filho...vai ter que me encarar primeiro!
Epifânio sentou no seu cantinho de observação, lá.... quietinho...ficamos mais afastados, mas juntos, e não muito longe do lôro...observando a movimentação...mesmo os pais que já estavam com seus filhos sob sua proteção não arredavam o pé da escola, queriam ver no quê aquilo ia dar.
Uma bicicleta apontou no canto da rua...uma bicicleta vermelha, com as rodas niqueladas...uma garota montada...uma garota bem bonita completava aquela bicicleta...um silêncio tomou conta da multidão...ela rodou até bem perto...parou a uns 60 metros de distância de todos...estava com shorts de lycra que delineavam suas belas coxas...me encantei daquele belo exemplar da juventude feminina...voltou e sumiu na esquina...o burburinho foi geral...Ahhhh!!! vamos embora!!! Alguém gritou...quando....a garota apareceu novamente na esquina...e...segundos depois...uma horda de ciclistas...uns 15 garotos e outras tantas garotas...pararam lado a lado...gelei...os valentes recuaram...aos poucos fomos nos aproximando de Epifânio...com medo....as mães que já haviam pego seus filhos tomaram seus rumos, os professores entraram na escola...a diretora...idem...a menina que chegou primeiro apontou para Natan que estava junto ao pai...só ficaram os dois no centro da rua...o pai não tinha mais ação...não ia adiantar correr...a vergonha seria maior...o menino começou a chorar e tivemos a impressão que o pai também...aquele que parecia ser o chefe daquela turma de ciclistas era grande, forte, moreno queimado de sol, e tinha uma enorme cicatriz de facada no rosto...era aterrador....seis deles desceram de seus camelos e se dirigiram para os dois que sobraram da multidão...pai e filho...olhei para Epifânio que não esboçava nenhuma reação...o garoto estava chorando muito abraçado à barriga do pai que nada falava, apenas esperava...a turma chegou perto e parou...ninguém se atrevia a ajudar aqueles dois encrenqueiros...ninguém gostava mesmo deles...mereciam a surra que iriam levar...de repente...chegando rápido por trás, também de bicicleta...Pedrinho...o sequinho....saltou da bicicleta, fazendo barulho como se jogasse a magrela ao chão...passou por Natan e seu pai...deixou seu braço esquerdo esbarrar levemente no garoto que chorava que imediatamente olhou pra saber quem estava ali também...e...se surpreendeu com Pedrinho se colocando em posição de guarda na frente dele e de seu amedrontado pai, mirando aquela galera do outro bairro com olhar de tigre...um olhar que bem sabíamos quem lhe ensinara...era o olhar de treinamento...Olhei para trás e Epifânio agora estava em pé...de braços cruzados em riste como uma estátua, olhando com cara de mal para todos ali...se fizessem qualquer coisa contra Pedrinho a porrada seria inevitável e sangrenta....gelamos...todos os valentes ficaram nervosos...os ‘outros” riram da postura de Pedrinho...ele olhou para Natan...para seu pai....e disse em bom tom...todos ouviram: ‘-Sozinhos vocês não estão”. Epifânio saltou da mureta e nos olhou...nos olhos...olhou para cada um individualmente...(me arrepio só de lembrar da cena) ...aquele olhar era a nossa deixa...se há injustiça...se há desequilíbrio...vamos equilibrar as forças....quando nem mesmo o pai do garoto que bulinava Pedrinho tinha esperança de sair daquela fria sem levar muita porrada...eis que em seu flanco direito aparecem “MULTI-HOMEM, CAMARÃO E SOBRANCELHA DO CAPETA...e em seu flanco esquerdo “GUEPARDO, CONDINOME 213 E EU” ...Epifânio passou por nós e se colocou ao lado de Pedrinho com os braços cruzados e o peito estufado...olhou pro moleque arretado e perguntou: Tá afim de dar umas porradas em alguém hoje Pedrinho? ...”-tô meeermo!!!” disse o pingo de gente...”-mesmo sabendo que pode apanhar também moleque?”....” nunca tive medo de porrada Epifânio...tenho medo é de bater muito e o outro ficar muito machucado e morrer”...(caralho, esse menino era do mal mesmo!!)...a outra turma ficou em silêncio por alguns minutos...nos olhando...o grandão olhou com ira para Epifânio e Pedrinho e...deu as costas, montou na bike e se foi com seu povo.
Epifânio tocou no ombro do magricelo e, na frente do seu algoz bulinador, disse: “Você é muito corajoso...no futuro fará parte dos valentes”. Pedrinho virou-se, passou por Natan, que estava com seu pai e disse: -Sempre que estiver em apuros, lembre-se...pode contar comigo...pra bater ou pra apanhar estarei do seu lado amigo!”.
Não preciso entrar em detalhes....eles não chegaram juntos à toa no hospital...dali em diante não houve mais bullyng na escola, nem de Natan nem de ninguém contra os mais fraquinhos...
Até onde entendo, bullyng nas escolas só são causados por crianças que são reprimidas ou violentadas tanto física como emocionalmente por pais violentos, e de pouco estudo, o que se reflete nas ações dos filhos.
Dias depois, Epifânio e eu fomos convidados para um churrasco na casa de um parente de Dona Cristina...e lá estava o moreno queimado de sol com a cicatriz na cara...era primo de Epifânio....se abraçaram e me contaram tudo.
Eram quase 16 horas do oitavo dia em que ele se encontrava naquele estado quando seu Ardjan chegou e de seu carro desceu o maior gigante que já apareceu por nossa cidade. O homem era maior que seu Ardjan...também muito vermelho, forte e loiro...era um senhor de pouco mais de cinqüenta anos, estava de terno e gravata, parecia guarda costa de presidente americano...era o avô de Ankie...pai de Ardjan...conversou com seu Otacílio que não sorriu pra ele, e com Dona Cristina, que também não sorriu, mas não o hostilizou...conversaram e Dona Cristina nos olhou com uma cara de angústia...se aproximou, só Dalila e eu nos levantamos, os demais permaneceram sentados na sarjeta olhando pra cima aquele gigante de dois metros de altura...ela disse:
“-Meninos, esse é seu Gertjan, avô da amiguinha de vocês Ankie...e pai de Ardjan...ele veio buscar Epifânio para levar para Europa...lá terá melhor tratamento...
Imediatamente todos se levantaram e... nos colocamos entre ele e a porta de entrada do hospital....Dalila se pôs na frente do homenzarrão e numa postura de mamãe ursa privada da cria ...com os olhos arregalados, cerrou os dentes e disse rispidamente:

“- Tente moço!”


Por Ricardo Serrão.

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