domingo, 1 de março de 2015

Livro 2 - Capítulo 2 - Vidas são mais importantes que coisas

Vidas são mais importantes que coisas

Já estávamos embarcados há dois dias e meio. O barco navegava contra a correnteza adversa do caudaloso rio, margeando-o para minimizar sua força. Já passava das sete horas da noite quando começamos ladear a fazenda de Dona Maria Helena, proprietária da Fazenda Trás-os-Montes. Levaríamos cerca de mais uma hora até chegar à sede, de tão grande que era o lugar, e a sede ficava no centro do enorme terreno. Era maior que todos os municípios que o circundavam. O recreio estava cheio, a turma toda, junto com suas famílias, foi convidada para os festejos do casamento de Maria João, única filha de Dona Manuela, que por sua vez, era a filha única de Dona Maria Helena e Seu Joaquim Alvarenga de Trás-os-Montes, um casal de portugueses que viviam no Brasil há muitas décadas instalados no interior brabo do norte. Devido à escuridão total, pois não havia luar naquela noite, o prático, que estava de turno no leme da nau, de minuto em minuto acendia um enorme refletor sobre o teto do barco e iluminava a margem para mensurar a distância e, de cabeça, calcular a profundidade da água. Como isso era possível não sei... mas é assim até hoje.
Atracamos e dezenas de empregados vieram nos ajudar com as coisas, parecíamos um bando de retirantes fugidos de alguma catástrofe, mas só parecíamos. Na verdade éramos as pessoas mais alegres do lugar pelo convite do casal de amigos que sempre que podiam, estavam na cidade conosco para nossos festejos também. Fato é que para eles, que possuíam até um pequeno avião, não era problema algum nos visitar. Maria João casara há um mês em São Paulo, e toda a família estava lá. Agora estava chegando da lua de mel para comemorar com a família no lugar onde nascera e de onde partira para a grande metrópole para estudar e se tornar odontóloga, dentista para nós. O avião tinha ido à capital paulista buscá-la com a mãe para passar uma semana com os avós na fazenda. Ela era mais velha que nós apenas uns cinco ou seis anos, era quase uma adolescente e se casara com um esportista. Chegamos e nos alojamos. Como era noite, o casal anfitrião só nos deu as boas vindas e se despediu para seus aposentos e logo pela manhã estaríamos juntos à mesa do café. Os adultos foram logo se retirar também, nós... é claro....queríamos um pouco de aventura e fomos andar pelo lugar, mesmo no escuro, arrumamos lanterna com o pessoal de lá e fomos quase em romaria, 213, Multihomem, Sobrancelha, Guepardo, Camarão, as gêmeas, Quarto de milha, Ed Gato, eu e Epifânio. Andamos um bocado pelo lugar, falando alto e rindo, dando sustos uns nos outros, não vimos animais soltos, andamos pela pista de pouso e decolagem da fazenda. Para nós era muito comprida, mas depois viemos saber que tinha apenas oitocentos metros... o que para nós...continuava sendo muito comprida, ora essa! Ao lado de uma das cabeceiras da pista havia um enorme hangar onde guardavam a aeronave e alguns tratores, do outro lado, uma casinha com duas bombas de combustíveis, como um pequeno posto de gasolina. Às margens da outra cabeceira havia apenas restos de carroças velhas, e o que naquela escuridão nos pareceu pneus usados cobertos com lona para não armazenarem água e se tornarem focos do mosquito da dengue ou de outros carapanãs.
Às cinco da madrugada a fazenda já estava a todo vapor, com todos acordados fazendo alguma coisa, inclusive os proprietários que já conversavam com nossos pais. A mesa estava montada com comidas típicas de interior, tapioca, beju, bata doce cozida, queijo coalho, coalhada, cará cozido, macaxeira cozida quentinha, banhada na manteiga, bolo de fubá, canjica, farofa de tucumã, ovos fritos e cozidos, jaraqui frito, melancia, mamão, manga, sucos diversos, e vários outros produtos da fazenda. Havia cerca de cinqüenta pessoas numa grande alegria. Nós comemos e zimpamos para o estábulo para montarmos em cavalos e passear pelas redondezas. Passamos um dia de sonhos, com os outros jovens do lugar, incluindo as locais com aquela beleza amazônica que só aqui tem. Alguns empregados já davam início aos preparativos do churrasco que aconteceria naquela tarde quando Maria João chegaria com sua mãe e o marido. No finalzinho do dia, quando já se desenhava o pôr-do-sol por sobre a linha do horizonte verde da floresta, voltamos à sede da fazenda e o que encontramos foi um alvoroço só. Apeamos dos cavalos e os amarramos perto do capim baixinho ao lado da casa. O avião da neta de Dona Maria Helena perdeu contato com o rádio da fazenda com o qual seu Joaquim sabia da localização e situação do tempo pelo piloto Ícaro Bentes, o grilo. A última notícia era que iriam se atrasar, pois o aeroporto de São Paulo esteve fechado por um tempo e só saíram no meio da tarde de lá. A noite caiu rapidamente e a tristeza e o desespero tomaram conta da casa grande. De repente faltou energia, o grupo gerador do lugar parou de funcionar. Correram para ativar o de reserva, mas descobriram que também estava com problemas. Pronto! O pânico tomou conta de todos. As mulheres choravam com Dona Helena, os homens falavam todos ao mesmo tempo o que poderiam fazer se o avião aparecesse no ar, pois não haveria luz na pista, uma vez que ela só era usada à noite em caso de extrema necessidade e com o auxílio das luzes do grupo gerador. Estávamos no canto da varanda só ouvindo sem entender muita coisa... menos Epifânio...ele estava observando tudo...calado e ouvindo...andando pelos cantos...no escuro....só haviam as luzes das lamparinas.
Ouviu-se um chiado no rádio que era à bateria. Aquele típico barulho de rádio tentando sintonizar. De repente a voz do grilo ecoou pela sala “PAPA TANGO CHARLIE ECO chamando fazenda Trás-os-Montes câmbio, alguém na escuta?” repetiu, mais uma vez e falou em outro tom “Seu Joaquim, pelo amor de Deus na escuta?” aqui é grilo chamando. Seu Joaquim correu para o rádio e mandando que todos na sala se calassem respondeu afoito:
“-GRILO MEU FILHO, ONDE VOCÊ ESTÁ?”
“-Patrão, estamos com problemas, combustível acabando, painel de controles operando limitado e não sabemos onde estamos, minha última referência de localização foi há 20 minutos quando pude avistar a estibordo o vulto do monte muiracatiara a cerca de um quilômetro de nós e estou me mantendo em linha reta, pois sei que vou em direção à fazenda, mas não tenho instrumentos para aterrissar nem como me localizar exatamente...Patrão...estamos em perigo.”
Dona Helena desmaiou, seu Joaquim entrou em desespero, não sabia o que fazer, só gritava com os empregados querendo saber do motor de luz, o que estavam fazendo.
“-Porra cadê essa merda de energia? O que estão fazendo que não conseguem colocar esse motor pra funcionar? Esse avião vai chegar em menos de vinte minutos por essas bandas e minha filha e minha neta precisarão de ajuda pra pousar aqui... vamos cambada, vamos... me ajudem pelo amor de Deus!!!”.
Ouvimos quando alguém chamou a atenção de seu Joaquim e disse:
“Seu Joaquim... peça ajuda a Epifânio... ele vai dar um jeito...”
Epifânio estava em pé, encostado na janela do lado de fora da casa, ouvindo e observando tudo... E nós, próximos dele, sentados na beira da varanda sem nada poder fazer... apenas esperar a morte certa...Seu Joaquim saiu rapidamente pela porta da casa e correu em direção a Epifânio e disse chorando como criança: -Lôro....não sei porque, mas se essas pessoas confiam em você é porque você pode fazer alguma coisa....me ajuda amiguinho...se você pode fazer alguma coisa me ajuda....salva minha filha e minha netinha...eu lhe dou qualquer coisa se puder me ajudar...faça o que for preciso.
“Epifânio acendeu uma lamparina que segurava na mão, levantou até a altura do rosto olhando fixamente para aquele desesperado senhor e perguntou: “-o que for preciso?”... “Sim!! O que for preciso”, disse seu Joaquim.
Ele se virou em nossa direção... pudemos ver aquele olhar de quem já quer lutar...lutar contra a morte...mais uma vez contra a morte...parecia ter prazer quando se tratava de vencer essas batalhas tensas em favor da vida...mesmo que não fosse a sua. Levantamos todos... meus cabelos se eriçaram arrepiados...parecia contágio...possessão...seus olhos brilhavam....lá se foi o pomo de adão naquela viagem...
“Galera... (na primeira palavra dele já podíamos sentir a emoção que tomava conta de nós... até os novatos foram atingidos pela descarga de adrenalina)... essa é a nossa deixa... vamos ajudar essa gente a aterrissar esse avião... aos cavalos!”...
Sobrancelha gritou: “-Riiiiiii Ráááááááá!!!!!!!”.
Montamos e ele foi dando as ordens:
Sobrancelha, Multihomem, Edgato e Camarão, peguem aqueles pneus e os coloquem enfileirados nas laterais da pista, como não são muitos, procurem colocar na metade dela, numa distância de dois metros entre um e outro; Guepardo, Quarto de milha e 213 amontoem aquelas carroças velhas no final da pista bem no centro; Meninas arrumem três tambores grandes de farinha e nos encontrem na cabeceira da pista; Valente comigo!
Fomos direto para as bombas de combustível, ele quebrou o cadeado das correntes nas mangueiras, as meninas chegaram, enchemos os tambores de gasolina e mandou que derramassem sobre os pneus deixando um rastro do combustível entre eles. Estavam pesados e eu fui ajudá-las, elas com um e eu com o outro enquanto Epifânio ficou enchendo o último tambor.
Estávamos cumprindo nossas tarefas quando ela passou a galope no centro da pista, com o tambor cheio sobre o cavalo, rumo ao final onde estavam as carroças. Banhou as carroças com o líquido inflamável. Gritou: “- Saiam daqui, saiam todos agora!”. E ateou fogo às carroças velhas o que iluminou o fim da pista. Também ateou fogo nos pneus o que pareceram as luzes laterais da pista.
Ouvimos o barulho do avião quando já chegávamos à casa grande. Todos gritaram de alegria quando viram a pista um pouco iluminada, mas seu Joaquim disse: “-É pouca luz... não vai dar certo!” Epifânio chegou a galope ligeiro e de longe gritou para o senhor da casa:
“-Seu Joaquim... qualquer coisa?”
“O patrão afirmou que sim, mas disse que não tinha luz suficiente, e que do avião não daria pra ver a cabeceira da pista.
 Epifânio repetiu “-Seu Joaquim... qualquer coisa?” O velho silenciou... e ficou lhe olhando.....ele completou: “-Avise pelo rádio que a pista está no meio do fogo....bem no centro das grandes chamas...avise agora!”
Que grandes chamas? Pensei.
Nem esperou a resposta... voltou rumo às bombas de combustível. Seu Joaquim avisou o grilo, mas o piloto informou não saber se daria certo, pois via o fogo muito pequeno lá de cima e que seria muito arriscado, mas não tinha outra coisa a ser feita.
Dona Helena em prantos, seu Joaquim descrente, mas com esperança...
O cavalo que o lôro montava chegou sozinho na casa. Vimos quando Epifânio acendeu duas tochas e se colocou na cabeceira da pista fazendo sinal para o avião. Poderia dar certo... mas o risco de morte era real...todos atônitos, numa gritaria desesperada....de repente...uma das tochas foi lançada rumo ao hangar... putaquiupariu... Ele tascou gasolina e tocou fogo no hangar do avião com os tratores dentro... e a outra tocha foi lançada rumo às bombas de combustível... BOOOOOMMMMMM... Lá se foi o posto pelos ares... vimos quando as bombas subiram e caíram longe como dois mísseis....pronto!...Pista iluminada... Todos gritaram pelo susto...o avião embicou no rumo das chamas....podíamos ver a silhueta de Epifânio contra o fogo na pista...andando em nossa direção e o pequeno avião passando lá atrás...no solo....seguro....parecia filme....enquanto todos correram para o final da pista em direção ao avião, ele caminhava em nossa direção vindo da cabeceira...todos sãos e salvos...num gigantesco abraço...   ...Seu Joaquim parou no meio do caminho e se virou para o pretinho das soluções...ele também parou e se virou para o senhor daquelas terras como que esperando algo...Seu Joaquim, num gesto de gratidão, tocou o peito com ambas as mãos abertas e estendeu o indicador direito apontando para o nosso amigo como que dizendo...”agora você é filho desta casa...tenho uma dívida com você”....nós esperamos ele chegar...ele chegou....disse apenas:
“-Tô com fome, será que ainda tem leite?”.

“Incomparável Epifânio!”.


Livro 2 Capítulo 1 - Drogado

Drogado

Quando soube que Dalila havia sido levada pelo velho Holandês, Epifânio sofreu o que jamais sofrera em toda sua vida de adolescente. Não ficou a mesma pessoa. Isolou-se de nós, e por mais que tentássemos fazer com que estivesse conosco como antes, ele não aceitava. Vivia amuado, sozinho, mesmo na escola. Assim ficou por longos meses. Víamos quando ia à casa de Ankie, talvez para perguntar notícias de sua amada Vida. Passava mais tempo na casa dela que em qualquer outro lugar, mas ainda assim, muitas foram as vezes em que o vimos a caminho do Borboleta Incendiada e andando com a turma dos drogados da cidade. Os mesmos caras de quem ele tanto disse para ficarmos longe agora eram sua principal companhia.
A turma foi se dispersando naturalmente. O elo mais forte que nos unia era a presença de Epifânio, a segurança que nos fazia sentir e a importância que ele dava a cada um de nós, e agora, nada mais disso nós tínhamos e precisávamos seguir em frente. Nenhum de nós queria se misturar com os maconheiros da área...ele quis....e se foi.
Um dia, quando eu estava completando 17 anos de idade, convidei toda a turma para uma festinha em minha casa, minha mãe faria um churrasco no almoço e depois veríamos um filme, ou iríamos pegar maracujá do mato como antigamente. Ele não apareceu. Fomos andar pelas trilhas, Guepardo, 213, camarão, sobrancelha, multi-homem, que quase não veio, pois estava cada vez mais envolvido com uma turma de “frutinhas” da escola, mas ainda assim era meu amigo e amigos são para sempre...e eu. Pegamos alguns cajus, alguns maracujás do mato, e fomos em direção ao espaço sideral, aquele lugar em que íamos nos satisfazer na bronha antes de conhecermos o lupanário de Dona Quenga. Fazia tempos que não tínhamos mais aquela prática de bater punheta todos juntos. Ficamos lá embaixo olhando a casa na árvore, sem subir...estava bem feia...tipo...tábuas quebradas, muitos galhos cresceram ao redor e ninguém se prestou a cortá-los....estava feia...muito feia. De repente ouvimos barulho lá dentro e fumaça subindo para a copa da árvore. Qual não foi nossa surpresa quando vimos as primeiras canelas preto-claras desbotadas aparecerem na escada descendo de lá...era Epifânio. Desceu com os olhos muito vermelhos, e em seguida desceram a turma de viciados com quem estava andando. Nem sequer nos deu importância, passou por entre nós esbarrando e empurrando-nos como se não fôssemos ninguém, quando quase caiu, de tão tonto que estava, sobre multi-homem, este lhe deu um tapão nas costas e azunhou o neguinho chapado, que nem sentiu dor. Os outros maconheiros passaram por nó rindo e Marlon, o líder deles, o único de maior, ainda falou:
“-Perderam...perderam!”.
Minha raiva cresceu ao ponto de voar sobre o cara e sair na porrada com ele, os outros não se meteram, nem dos nossos nem dos dele, éramos apenas nós dois brigando...briga feia, ele era forte, musculoso, e sabia brigar, mas eu tinha a meu favor a raiva que estava sentindo e o amor que tinha pelo amigo perdido. Foram quase 5 minutos de porrada intensa, socos, chutes, sangue, olho inchado, até puxão de cabelo e mordida rolou, pois em briga de rua vale tudo, até apertar as bolas do outro.
Apartaram ...estávamos muito machucados, mas valeu a pena...na verdade não valeu não... Epifânio nem sequer viu a briga, não deu a mínima pra mim ou pro outro cara...nada tinha a ver com o amigo que há pouco tempo era nosso líder...nosso irmão.
Fomos para nossas casas. No dia de meu aniversário o presente que ganhei foi uma surra de um maconheiro filho da puta, por causa de um cara que nem dava valor ao que sentia por ele.
À noite, deitado no escuro, sentindo dor e pensando no dia, na briga, no ex-amigo...chorei...chorei por ter perdido meu melhor amigo para as drogas. Não podia acreditar que tudo o que ele nos ensinou acerca de nos mantermos longe das drogas, não serviu pra ele. Ele que era tão mais forte que qualquer um de nós, não se dominou e caiu...quedou-se aos encantos dos alucinógenos. Eu não tinha muita prática em orar, mas, virei o corpo dolorido para o lado e, com os joelhos no chão, continuei o choro da perda, da vergonha...da saudade do bom amigo...do melhor amigo...   ...   ...   ...Estava no momento de maior angústia quando senti uma presença ao meu lado direito e um braço que se estendia por sobre meu ombro esquerdo, me puxando para junto de si. Não olhei...cheguei a pensar que se tratava de meu pai, pela forma carinhosa com que me abraçou....continuei chorando sem nada dizer a Deus...apenas chorando....e ouvi uma voz dizer:
“- Valente”.
Meu pomo de adão fez aquela conhecida viagem até a goela e voltou....os pêlos dos braços e das pernas se eriçaram num longo arrepio...senti até os da cabeça se colocarem de pé. Olhei pro lado, no escuro, e vi aqueles olhos arregalados me olhando...era Epifânio. Não precisei falar nada...ele me abraçou com o abraço mais fraternal que alguém poderia ser abraçado. Meus olhos jorraram uma cachoeira de lágrimas, como se o próprio Jesus Cristo estivesse me abraçando com seus braços de segurança, de paz, de carinho... de amor....amor de amigo.
“Lôro!” Exclamei. “Por que tu tá fazendo essas besteiras cara?”...”Porra, tu tá se drogando man!!”. “Sai dessa e volta para junto de nós...a turma já tá quase toda dispersa...tenho medo de que outros façam besteiras também e se percam...como você”.
- Valente...” disse ele.... Há cerca de seis meses, o Marlon, o cara com quem você brigou, chegou aqui na cidade, trazendo quase seis quilos de uma droga gosmenta, e ensinou os maconheirinhos daqui como misturar na maconha e fumar. Dizem que é tão viciante que logo a pessoa se torna escrava disso (hoje é petrificada e é chamada de crack). Pela quantidade de gente que fica perto da casa dele, estão chamando a droga de mel e os meninos de abelhas. Dona De Lurdes me pediu ajuda para tirar o filho dela dessa merda que esse tal de Marlon trouxe pra cá. Pensei por alguns dias e decidi tentar ajudar o Isaías, filho dela, mas para isso teria que aprender tudo sobre droga e como chegar perto do boqueiro sem que ele percebesse minha real intenção. Por uma semana fui comprar com meu próprio dinheiro a tal droga das mãos do cara, que, depois de ouvir sobre mim, decidiu que me queria perto dele me oferecendo o cargo de segurança da boca e para isso passou a me fornecer de graça a maldita. O fato é, que nunca coloquei sequer uma miligrama desse troço no meu corpo, nem de maconha também, mas precisava ganhar a confiança dele pra me aproximar de Isaías sem que notasse meu interesse em ajudá-lo. Andei pelo Ardjan a procura de informações sobre drogas e acabei me viciando em ler aquele monte de livros da biblioteca dele....em seis meses já li 48 livros, sobre vários temas, inclusive drogas. E quando vou à Dona Quenga, que sabe da tarefa que me foi solicitada, é para pegar dinheiro emprestado para repor o dinheiro das drogas que Marlon me manda vender e eu jogo no rio. Já tô devendo tanto a ela que acho que vou acabar tendo que comer aquela gorda de verdade. Sempre que ela me empresta eu digo...-Dona Quenga (Dona Maria Flor para os não íntimos) eu vou lhe pagar tudinho que a senhora tá me emprestando. E ela responde com um sorriso de canto de boca: “Sei que vai...ah vai!!”.
Eu não queria que nenhum de vocês estivesse por perto nessa onda Valente, por isso me afastei da turma, pois sei que não me deixariam entrar nessa sozinho, mas precisava estar só para resgatar, não só o Isaías, mas todos os outros garotos das mãos desse maldito traficante. Mais alguns dias e o entregarei às autoridades com todas as provas para que seja preso e vá direto para a cadeia.
Dias depois vimos o Marlon ser preso como muita droga na casa dele. Os garotos que viviam lá, e que quiseram ajuda, foram levados para uma clínica de drogados que ficava numa fazenda da igreja católica, na estrada interestadual....Isaías foi junto....Epifânio? Bom...nos abriu os olhos para a realidade das drogas no dia em que nos reunimos para recebê-lo de volta.
Outros adolescentes já estavam se aproximando de nós, como André Giovanini, que passamos a chamar de quarto de milha, Edgar, que se auto denominava Ed gato, e as gêmeas, o que Epifânio não gostou muito no início, mas depois achou legal, Ana Clara e Ana Beatriz, ambas lindas, elas tinham uma irmã que depois de um acidente, causado por uma brincadeira lesa do namorado, com arma de fogo, ficou numa cadeira de rodas...igualmente linda....Adara. O namorado? Sumiu!.
Depois de nos contar toda a história, Epifânio nos fez entender que as pessoas que usam drogas, só usam por vontade própria no início, mas depois de um tempo usam porque já estão viciadas e não conseguem mais controlar seus desejos. Que na maioria das vezes entram nessa por incentivo de más companhias, curiosidade, para tomar coragem de fazer algo muito errado e mostrar a alguém que é macho, ou ainda para fugir de problemas familiares, entre outros tantos motivos. “-Fiquem longe das drogas, elas destruirão seus corpos, sua saúde, sua vida escolar, sua vida na sociedade e farão de vocês pessoas cada vez menos inteligentes...fiquem longe dessa maldição. Quanto mais tempo passarem com os livros, mas longe dessa realidade marginal vocês estarão”.
“Esse é Epifânio....sempre preocupado com os outros”.
Perguntei: “-E Dalila?”.
Ele me olhou de banda e disse:
“-Estou trabalhando nisso”.


Deusa Arte.

MÚSICA Já escrevi sobre a presença da arte nas nossas vidas. “A arte é assim, alguns gostam, outros nem tanto, outros são distantes, mas tod...