Olá amigos!
Há tempos que nenhum de nós
escreve nada a respeito do neguinho travesso...Epifânio Augusto...
Se já leu nossas histórias,
vai saber que sou o único que não teve a origem do apelido contada pelo
Epifânio... ainda bem...mas sei que aquele capiroto vai falar um dia...mas não
vai pro céu não... aquilo não é do céu... nem do inferno...é de algum lugar
pior.
Já sou adulto...família
formada...todos morando na mesma casa...esposa, filhos, cachorras…sogro e
sogra...claro, não na mesma sequência de importância. Se assim o fosse,
cachorras viriam depois de...casa.
Vim contar uma história da
nossa infância. Uma história de calamidade que aconteceu quando éramos
pré-adolescentes. E quem precisava contar essa história era eu mesmo, porque
sou a parte principal da situação.
Em meados dos anos oitenta, houve
na nossa cidade um surto de um vírus desconhecido. Me atrevo a dizer que era
conhecido de alguém, mas não de alguém da nossa comunidade.
Algumas pessoas adoeceram,
outras vieram a óbito por causa da doença. Pessoas conhecidas, amigas, até
aparentados, sem que ninguém soubesse o que fazer. Nem os médicos, nem os
rezadores da comunidade, nem os pais e mães de santos como Dona Mariana, nem os
padres, nem os pastores protestantes que apareceram pregando cura pra tudo em
Nome de Jesus...mas não curaram tudo...nem Jesus curou tudo...sabe-se lá o
porquê!!!
Agora vocês saberão porque
eu é quem estou contando essa história. Fui um dois que adoeceram...
Um dia, quando o galo
cantou, tipo, 4:30 da manhã, abri os olhos, mas não me senti como nos outros
dias. Me senti quente, respirando forte, com o nariz entupido, os olhos
ardendo, uma tosse seca e com desconforto no corpo. Era criança, então tudo se
resumia a:
- MÃE!!!! TÔ COM QUEBRANTO!!!!
Minha mãe veio, olhos remelados,
boca pôdi como se tivesse comido minha meia, botou a mão na minha testa, puxou
a pálpebra pra baixo (só hoje eu sei o nome desse troço...pálpebra...na época
era beiraduzóio), e disse:
-Tá com os olhos fundos, pálido,
melhor levar na dona Neném (Toda rua tinha uma dona neném) e essa tinha um
filho doido ( doido mermu) que todo mundo gostava, pois todo bairro tem um
doido que todo mundo gosta (Celestino Neto).
Nem rezadeira, nem benzedeira,
nem padre, nem médico, nem pastor, nem mesmo Jesus me curou daquele bicho. Disseram
à minha mãe que eu estava com o pulmão pela metade e que não era pneumonia, nem
turbeculose...não escrevi errado não...era assim que chamava na comunidade...igual
a rezistro, salxixa, taberna, cabeçário, e nós faz...rsrsrs, mas todo mundo se
entendia.
Então...adoeci...como era difícil
curar tuberculose, e não sabiam o que era o que eu tinha, quiseram logo me
colocar isolado de todo mundo, mas minha mãe, que era braba às pencas, não
deixou ninguém me deixar sozinho num quarto se ninguém sabia o que eu tinha...
me levou pra casa.
Os dias que se seguiram
foram cruéis. Não conseguia respirar direito, mal sentia gosto, mal sentia
cheiro de alguma coisa, por isso não sentia fome e ficava cada vez mais fraco.
O médico disse à minha mãe
que a doença era contagiosa, que podia ser contraída pelo ar, e por esse motivo
eu não poderia receber visita de ninguém, nem mesmo de parentes.
No
sétimo dia eu não parava de tossir, com dor, sem escarrar nada, não tinha
catarro (tá com nojo? Você não imagina o meu desejo de ter catarro naqueles
dias e que se soltasse pra eu engolir como todo mundo faz escondido e nega, mas
não tinha).
Meus
avós não podiam me ver, meus tios, meus primos também não, mas o pior é que eu
não podia ver os amigos...os Valentes...Mesmo que pedisse à minha mãe ela não
deixava eles me verem...mas...eu era um deles...aprontava como eles...sofria
como eles...chorava como eles...pensava como eles...e mesmo sentindo que as
coisas eram muito sérias pro meu lado, tipo...morte se aproximando... sabia que
os Valentes estavam pensando em como me veriam e me ajudariam a sair daquela
situação de morte.
Epifânio não negaria uma boa briga sem
lutar...mesmo que soubesse que perderia.
No
décimo dia não acordei...faltava ar ao ponto d’eu desmaiar...ouvi ao longe um
som de batucada, tipo, marchinhas de carnaval...seria o céu?...o paraíso?...ou
o carnaval era de fato a festa da carne e todo mundo que brinca carnaval vai
pro inferno?...a muito custo consegui abrir os olhos... a rede ficava na
ilharga da janela...então pude ver...
OS
VALENTES...
MEUS
AMIGOS...
...ESTAVAM
TODOS VESTIDOS DE MULHER E FAZENDO BATUCADA DE CARNAVAL COM INSTRUMENTOS FEITOS
DE LATA VELHA...
Nunca,
nenhum macho que fosse macho se vestiria de mulher naquela época...quem se
vestia de mulher eram os “viados” da cidade (de quem Epifânio, não sei por qual
motivo, era muito amigo...será?).
Meus
amigos se divertindo, juntos, por mim, na frente da minha janela,
brincando...era tudo o que eu precisava. Meu espírito se fortaleceu, meu corpo
reagiu positivamente,
Aquilo
alegrou meu coração de tal maneira que naquele dia pensei:...
-MEU
DEUS, OBRIGADO, ESTOU MELHOR...ESTOU BOM...ESTOU CURADO!!!!
Infelizmente
não foi isso que aconteceu.
Morri...
...mas
enquanto estava morto tive uma sonho, tipo, você vai dizer que mortos não
sonham...então...dane-se você...eu estava morto e estava sonhando também,
abestado!... e no meu sonho vi meus amigos sorrindo...sem nenhuma tristeza no
coração. Como alguém que tem certeza de que determinada coisa acontecerá, mesmo
que não deva acontecer...
O outro
lado me chamava...havia paz e descanso lá...mas para um guri de 12 ou 13 anos,
paz e descanso eram duas coisas que eu certamente não precisava. Eu queria
roubar caju, ir pro espaço sideral, servir as quengas do lupanário borboleta
incendiada, etc...
...mas
estava morrido pelo vírus...morrido...quase morto perpetuamente...mas senti
algo estranho no meu corpo...algo diferente...que me chamava de volta...
Seria
o espírito santo? Não, não era...
Seria
o espírito de porco? Também não era...
Não
estou escrevendo para que alguém acredite na minha história. Escrevo para que conheçam
a minha história e saibam que ninguém é uma ilha... que ninguém pode resolver
os problemas sozinho...que todos precisamos de amigos, de hoje, de ontem...mesmo
aqueles amigos com quem um dia você discutiu e não fala mais...
...Morri
e voltei...voltei e vi a cena que todos deveriam ver um dia...ou desfrutar do
prazer de ver um dia...
...voltei e vi...
Multi-homem, Guepardo, Sobrancelha
do capeta, Camarão, Valente, e Epifânio deitados...dormindo...no assoalho da
casa, embaixo da minha rede...estavam de máscaras feitas de cueiro e cordão amarrado
nas orelhas, correndo o risco de serem contagiados.
...MEUS AMIGOS...COMO NENHUM
OUTRO HÁ...AMIGOS DA VIDA E DA MORTE...
Não sei como descrever o que
senti...estavam todos dormindo...mas eu estava muito mais que acordado...estava
agradecido, estava radiante, estava feliz... estava...vivo...
O amor dos meus amigos me
salvou...
Não há vírus que suporte a
força do amor de uma amizade verdadeira.
Valorize a amizade. Ligue
para seus amigos hoje e diga o quanto os ama. Ou compartilhe essa história com alguém
que você considera muito seu amigo e ele certamente saberá o quanto você o considera.
Ricardo Serrão.
P.S.
Se dez amigos solicitarem,
eu permitirei que o Valente conte a origem do meu apelido:
Agente 00213.
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