segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Epifânio Augusto em: Ninguem pode deter a morte.


Capítulo 15

Ninguém pode deter a morte

O velho Holandês veio disposto a levar o menino para sua terra, Amsterdã na Holanda, mas não levaria se dependesse de nós e de Dalila. Estávamos decididos a tirar Epifânio do hospital e escondê-lo, não tínhamos noção do risco de morte em que o colocaríamos com essa atitude, apenas queríamos nosso amigo aqui, conosco. Os pais dele já haviam autorizado a transferência, os médicos também não negaram, pois clinicamente ele estava bem, parecia apenas dormir um sono muito profundo e o que mais motivara tal decisão, é que o velho viera em seu próprio jatinho. Parecia ser bilionário lá prazoropa.

Nada podíamos fazer, apenas nos despedir do garoto e esperar que desse bom resultado essa coisa toda, apesar de sentirmos que com nossa companhia, mesmo que do lado de fora do hospital, ele pudesse melhorar a seu tempo.

Dalila estava inconformada, não parava de chorar, era sofrimento demais viver tal situação depois de tudo o que aconteceu em Goiás, e pior ainda, era pensar que Epifânio não podia escolher ir ou ficar no estado em que se encontrava.

(Acorda Lôro, porra!)

Seu Gertjan não desistiria de levar o guri...era muito estranho...que tanto interesse havia naquela família em Epifânio? Por que tanto zelo quando se tratava daquele endiabrado menino? Tentamos de todas as maneiras convencer seus pais a não deixarem levá-lo, mas....sem sucesso...afirmavam todo o tempo que seria para o bem dele, que teria mais recursos, que seria bem tratado e coisa e tal. Gertjan não parava de falar em seu idioma com o filho e em português com a família de Epifânio, parecia até grosseiro em alguns momentos, levantando a voz para Dona Cristina e seu Otacílio...chegou a dizer que aquela situação de amor adolescente não estava fazendo nada bem para o garoto. Ora essa, e quem era ele pra se meter na vida do nosso amigo? O que ele sabia sobre o amor de Dalila e Lôro? Morava a milhares de quilômetros de distância, como podia saber alguma coisa? O fato é que estava decidido a separar Epifânio de Dalila, por bem...ou por mal.

Meu coração começou a sofrer de raiva, angústia e medo...raiva daquele gigante, angústia de não poder fazer nada para evitar a transferência do doente e...medo de não mais ver Epifânio vivo. Os valentes queriam brigar, queriam gritar, nossos pais diziam que nada podíamos fazer, pois os pais dele já haviam autorizado a viagem. Choramos...choramos a ausência mesmo ainda estando na presença dele.

Dona Betsie, não suportando nos ver naquele sofrimento todo, conhecendo o sogro e sabendo que ele não desistiria de separar o casal de namorados, sugeriu algo que traria maiores dores ainda, mas que não tiraria nosso amigo de perto de nós....sugestão aceita...o jato voaria naquela noite mesmo para a Holanda e traria uma equipe de médicos e todo equipamento necessário para avaliar a situação de Epifânio e tirar o guri do coma.

Naquela noite o jatinho de seu Gertjan partiu rumo à Amsterdã, mas não foi levando sorrisos, tampouco deixou alegria. Só aceitou não levar Epifânio se, de alguma maneira, pudesse por fim àquele amor que só trouxe dor e sofrimento tanto para o garoto como para todos os que lhe queriam bem...ofereceu à família de Dalila um vida melhor à garota se ela fosse com ele para estudar na Europa e se tornar alguém na vida, e ficasse bem longe de Epifânio. Quem sabe um dia, voltaria ao Brasil numa nova situação. Mesmo sem querer ir...ela foi...era o sacrifício que faria em favor de Epifânio permanecer junto aos pais e amigos e a todos que o amavam...ela sentia no coração que ele ficaria melhor aqui...e sem ela. A menina foi aos prantos como se fosse rumo à morte. O jato traria os médicos e os equipamentos...o velho parecia não medir esforços para ajudar o menino e deixá-lo livre daquela coisa do coração...o amor. Chego a pensar se aquele homem sabia o que era amar.

Na manhã seguinte o céu trovejava e relampejava, parecia querer lançar uma tempestade daquelas, mas não caia chuva, apenas trovões e raios...a princípio tímidos. Seu Sabá e Dona Ninita chegaram na charrete do sítio para visitar o menino que tanto admiravam e que havia salvo a vida de seu neto Mário Alberto, que para nós era apenas...Camarão.

A tempestade de raios apertou, os trovões se intensificaram, a chuva começou cair e não era qualquer chuva, era realmente torrencial de dar medo até em bagres do rio. Os médicos de plantão autorizaram nossa entrada para vê-lo na UTI. Agora eu já não sabia se queria que ele acordasse, afinal, descobriria que Dalila não estava mais aqui e que nós nada fizemos para deter o avô de Ankie. Não havia nenhum outro paciente naquele lugar, só o guri que parecia mais desbotado do que era, de tão pálido que estava...deitado...olhos fechados...inerte...parecia morto....estava morto....todos em silêncio...velando-o...MH perguntou se alguém sabia rezar...ou orar....Sobrancelha disse que sabia dizer o “amém”...Guepardo sabia começar o “pai nosso”, mas só ia até o “santificado seja o teu nome”...não ia muito longe não....sugeri que tocássemos em seu corpo e pensássemos em Deus e em coisas boas...sei lá...na hora pareceu meio ridículo, mas....foi o que fizemos...tocamos seu corpo...um nos pés, outros nas pernas, outros nos braços e eu....uma mão no coração e a outra no cabelo loiro daquele preto feio.....ele foi tocado pelos valentes.....os seis....   .........os seis valentes....foi tocado pelos amigos... e....    ........de repente seu corpo começou tremer e ter espasmos involuntários, era estranho vê-lo se debatendo ainda como morto...gritamos pela enfermeira, que veio correndo junto com o médico e já foi nos expulsando de lá. Não sabíamos bem o que estava acontecendo, mas pela correria e gritaria na UTI o lance era sério. Passaram por nós no corredor alguns auxiliares com um aparelho que mais tarde vim saber o nome ...desfibrilador...nem imaginava para que servia, mas levaram aquele troço correndo para a UTI onde Epifânio estava. Não me contive e abri um pouco a porta e vi o médico em cima de meu amigo empurrando o peito dele pra baixo seguidamente...pensei: “Que merda é essa? Tá tentando matar o moleque?” Cara de aborto chegou com outras pessoas e nos levaram para fora do hospital, a gritaria continuava e ainda não entendíamos o que estava acontecendo. Ora se Epifânio começou a se mexer era porque estava saindo do coma...ou não?

O médico veio falar com a família do garoto...deu a notícia que tanto não queríamos saber...Epifânio estava morto...deu-se um berreiro desesperado de todos os adultos e...dos valentes também...os meninos se abraçaram em grande choro...   aquela manhã parecia noite de tão escura que estava   ...a natureza estava sentindo a morte de Epifânio... o céu chorava enormes gotas de chuva...   ...   ...............Deus chorava.

Eu não conseguia entender, não conseguia chorar, parecia estar em transe, minha mente não concebia aquela morte, não acreditava que Epifânio, o moleque cheio de vida que conhecíamos estava morto...morto....não podia ser real aquilo tudo...lembrei das palavras de 213...a cachoeira do profano, o lugar onde os macumbeiros faziam oferendas e sacrifícios de pequenos animais e para quem o lugar se chamava “cachoeira das almas”...Epifânio não gostava quando íamos lá e víamos galinhas mortas e outros animaizinhos mortos, mas não mexia em nada e não nos deixava mexer também...respeitava...lembrei do caldo que o lôro levara daquelas águas ao ponto de sair nu delas...comecei a ficar nervoso, não poderia desistir assim de Epifânio, os médicos tentaram o que puderam...e nós? Os outros continuavam chorando descontroladamente...assobiei bem alto “Fiiiiiiiiiiiiiii!!!!!’...viraram pra mim chorando muito...e como não me viram chorar...pararam por um instante....meu coração estava acelerado, as pernas tremendo, estava todo arrepiado e com cara de ...de....sei lá...estava fora de mim...olhei fixamente para cada um e virei o rosto em direção à porta da UTI...ouvíamos os gritos, mas não mais pertencíamos àquele lugar...àquele momento...àquela morte......a chuva caia forte...os raios e trovões aumentaram...a energia faltou e num clarão de um raio que rasgava os céus e se mudava do oriente ao ocidente, vi pequenos olhos brilharem...os valentes entenderam... tínhamos que fazer uma última tentativa....nada falei...não precisava...Camarão e Sobrancelha do capeta correram para buscar a charrete de seus avós, Codinome 213 providenciou uma maca com rodinhas, MH e eu entramos na UTI para sequestrar o corpo de Epifânio...o corpo de nosso amigo...nosso irmão....saímos daquela sala ainda no escuro e nos guiando apenas com os clarões dos relâmpagos...quando chegamos ao salão de entrada do hospital a cena que vimos nos assustou sobremaneira...Guepardo acuou todas as pessoas que porventura pudessem querer nos deter, com o estilingue esticado até o toco, apontando na direção de cara de aborto que não se atreveu a sacar da arma...a charrete estava em frente, o céu desabava em água e raios...deitamos o corpo de Epifânio no soalho da carroça e partimos rumo à cachoeira do profano...olhamos pra trás e Guepardo continuava apontando o estilingue, só que agora na porta da frente do hospital...paramos a charrete e gritamos por ele que correu e saltou pro carro...Mário Alberto gritava com o cavalo que parecia Pégasus, com as asas abertas trotando o vento...em pouco tempo chegamos àquelas águas e nos lançamos com aquele corpo inerte na corredeira que pela força da chuva estava muito forte...gritamos com Epifânio...”ACÓÓÓÓRDAAAA!!! ABRE OS OOOOLHOS LÔÔÔROOOO!!!!”...Epifânio estava na água...os valente estavam na água....de repente vimos um raio em forma de flecha furar o caudaloso igarapé “tchuuuufff!! E uma enorme descarga elétrica nos lançou longe...   ...   ...todos    ...  ...   ...inclusive Epifânio.....ficamos atordoados....levantei com dificuldade e vi que acontecia o mesmo com os outros....olhamos para a margem mais distante e....Epifânio estava em pé apoiando-se numa pedra e nos olhando....a chuva não permitia visualizar com nitidez, mas parecia não estar só... havia um guerreiro indígena segurando  arco e flechas com ele....sumiu...nos aproximamos dele e o ouvimos dizer com raiva:

Que porra é essa???? Estão ficando doidos é?...Estão querendo me matar?

Hahahahahahaha ele voltou....Epifânio está vivo....a alegria tomou conta de todos!

Por Ricardo Serrão

Deusa Arte.

MÚSICA Já escrevi sobre a presença da arte nas nossas vidas. “A arte é assim, alguns gostam, outros nem tanto, outros são distantes, mas tod...